domingo, 25 de março de 2007

concessões jornalísticas

Qualquer pessoa que tenha um relativo contato com a escrita (e profissão) jornalística sabe o que é a eterna e legendária luta entre o público e o pessoal, parcialidade e imparcialidade, objetividade e subjetividade.

Com exceção do jornalismo literário e do opinativo, "a lenda do bom jornalista" (piada interna?) diz que devemos tentar ao máximo nos aproximar do fato, o que realmente aconteceu, sem deixar que impressões pessoais interfiram. Ceeerto. Seguir isto, 100% à risca, é impossível, é claro. A partir do momento em que escolho escrever sobre algo, já interferi no conteúdo. Aí está um pouco de subjetividade. As palavras que escolho para formar meu discurso, meu vocabulário (ah, sim, sintagma, paradigma, essas coisas que podem parecer complicadas mas não são tão difíceis e se mostram até bastante gostosas) e a própria ordem das colocações são exemplos de que imparcialidade e objetividade devem referir-se, apenas, a um modelo e não à realidade.

E para que tudo isso?

Esta semana fui confrontado, por mim mesmo, em relação a este modelo "imparcial" na construção da informação. Eis o fato: uma notícia que escrevi no Cinema em Cena, sobre declarações recentes do ator Kurt Russel sobre a refilmagem de Fuga de Nova York.

Não gosto de Russel, mas é óbvio (e básico) que a função do jornalista não é escrever sobre o que se gosta. O que ocorre em momentos como aquele é que, às vezes, fico a pensar se essa escrita asséptica não poda demais o discurso. A internet, teoricamente, deveria ser um espaço para fugir-se um pouco à regra, mas não é muito o que vemos, ao menos aqui, no Brasil.
Do outro lado, fica a dúvida: mas o jornalismo opinativo não é ainda pior (grande parte do tempo, um pé no saco)?. Logo que penso em escrita pessoal na internet, jornalismo opinativo e afins na web, uma das primeiras coisas queme vêm à mente é a tirinha que ilustra o próprio Mazzacane, no topo da página. "Um monte de gente escrevendo sobre coisas que não sabem, para outros que não conseguem aprender".

Para completar, dar um pausa no assunto, eis duas versões da notícia sobre Russel. Primeiro, a fictícia, que poderia ter sido escrita em um blog (aqui?), extremamente pessoal. Em segundo, a real, publicada no site.

1. a versão fictícia.
Provando mais uma vez ser um grande babaca, e ainda por cima, racista, o ator Kurt "decadente" Russel soltou uma série de bobagens durante entrevista ao site Entertainment Weekly e disse estar puto com o anúncio da refilmagem de Fuga de Nova York, filme no qual atuou no início da década de 1980.
O ator disse ser absurdo contratarem um escocês ("nossa, que pouca vergonha! um escocês! onde esse mundo vai parar?"), Gerard Butler, para ser Snake Plissken, protagonista do filme: "eu acho que o personagem é essencialmente uma coisa: americano".
Não bastasse, Russel abriu o saquinho da prepotência e ainda se comparou a Sean Connery, em relação a outros atores interpretando o papel que um dia já foi seu: "É como Sean Connery, sempre vendo os outros fazendo suas versões de Bond. Eu não interpretei Snake Plissken, eu o criei." Tudo bem, mostre-me seu nome nos créditos.

2. a versão real que escrevi.
Em recente entrevista ao site Entertainment Weekly, Kurt Russell (Grindhouse) demonstrou extrema insatisfação com o anúncio da refilmagem de Escape From New York e soltou farpas em diversas direções. Até mesmo o fato de Gerard Butler, ator escolhido para o papel que um dia foi de Russel, ser escocês, incomodou o ator, que disse: “eu acho que o personagem é essencialmente uma coisa: americano”.

Perguntado sobre a possibilidade de uma participação especial sua na refilmagem o ator deu uma resposta nem um pouco singela: “Que se f****! EU sou Snake Plissken! É como Sean Connery, sempre vendo os outros fazendo suas versões de Bond. Eu não interpretei Snake Plissken, eu o criei”.

Que Gerard Butler não trombe com Russel pelas ruas....


Como se percebe, não pude perder a oportunidade de fazer um pequeno comentário ao fim. No meu ponto de vista, esse tipo de intervenção, dependendo do caráter da notícia, pode ser bastante enriquecedor, além de reforçar o caráter absurdo de alguns pontos do fato.

No primeiro parágrafo, ao utilizar o adjetivo "extrema", para demonstrar o nível de insatisfação do ator, também há outra clara amostra de subjetividade. Mas, convenhamos, um ator famoso que manda alguém "ir se foder" deve realmente estar "extremamente insatisfeito" (mas talvez ele estivesse puto por outro motivo, tipo o mal resultado de sua 23ª plástica facial).

foto 1: fabiomalini.wordpress.com/2006/05/
foto 2: divulgação

3 comentários:

Maria Renata disse...

É aqui que eu retribuo o comentário? Brigada pelo elogio! Blog mais que legal, o seu. Eu volto!
beijos

marcelo disse...

participação respondida no devido lugar.

Anônimo disse...

Ow, Marcelo, como eu fico rindo de vc a maior parte do tempo durante o nosso período de trabalho, não pude resistir a dar uma passadinha no mazzacane...
concordo com vc em tudo e achei a sua nota fictícia sobre o kurt russel muito engraçada!
Até mais!