sábado, 13 de janeiro de 2007

Mais Estranho que a Ficção

Stranger Than Fiction é o nome do livro autobiográfico de Chuck Palahniuk, autor de Clube da Luta. É o nome do álbum do Bad Religion lançado em 1994. É também o título de um dos melhores filmes de 2006 e, desde a última terça-feira, um dos meus favoritos. Mais Estranho que a Ficção.

Um filme sobre a vida. Sobre o modo como vivemos, os prazeres, o que temos medo de enfrentar.

Assistindo ao filme da sua vida, ou, no caso, lendo o livro da sua vida, qual seria a sua reação?

É exatamente esta a situação em que se encontra Harold Crick, personagem de Will Ferrell, que se descobre como personagem de um livro incompleto. A cada ação sua, a cada pensamento, uma narradora onipresente surge como espécie de consciência descontrolada, mostrando tudo aquilo ao que ele fazia questão de não perceber, como a vida medíocre e mecânica que levava.

Porém, o livro de sua vida ainda está sendo escrito e, ao deparar-se com a possibilidade da morte próxima, Harold acaba por viver os momentos mais intensos de sua existência. A possibilidade do fim traz à tona um sentindo para uma vida até então vazia.
Lembra da cena em Clube da Luta na qual Tyler Durden ameaça matar o caixa de uma loja, para que quando ele acordasse no próximo dia, aproveitasse melhor a vida? O sentido aqui é o mesmo.

É a comédia da desilusão, uma mistura inusitada do ótimo Huckabees (tanto no visual como no conteúdo) e O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Afinal, são as pequenas coisas da vida que tornam tudo interessante.

“Você não está feliz por não ser um golum?”, Dustin Hoffman pergunta.
“Eu estou feliz por não ser um golum”, Ferrell responde.
É preciso ver o lado bom da vida.

Após o bem executado visualmente, porém confuso, A Passagem (Stay), o diretor Marc Foster confirma o título de um dos diretores mais interessantes da atualidade, adicionando este novo longa à sua já bela filmografia, na qual também constam Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland) e A Última Ceia (Monster's Ball).

As intervenções gráficas interagindo com Will Ferrell são simplesmente incríveis e reforçam o caráter mecânico de sua vida, sua forma matemática de programar as ações e ver as situações, em contraposto à poesia até então submersa junto à desilusão do cotidiano.

E o tempo...
Não é à toa que um relógio é parte crucial da história. Não apenas o aparato físico, mas o que ele representa.

Mais do que simples entretenimento, Mais Estranho que a Ficção já mereceria destaque simplesmente por ser uma obra que faz pensar. E quando o alvo destes pensamentos são as nossas próprias vidas, esta obra se torna ainda mais importante.

Não se deixe levar pela (má) fama de comediante de Will Ferrell. Seu Harold Crick, medíocre e sem graça passa longe de qualquer um de seus personagens “engraçados” anteriores. E nem mesmo a presença de (sic) Queen Latifah chega em algum momento a tirar um pouco que seja do brilho do filme.
E é claro, ainda temos a presença de Dustin Hoffman; Maggie Gyllenhaal, seguindo os passos do irmão, cada vez melhor e em filmes mais legais; Emma Thompson, como a perturbada escritora em crise (em uma atuação um pouco forçada); e até o carinha que interpreta o irmão esquisito do Michael em Arrested Development.

E a trilha sonora também é muito, muito boa, com músicas do The Clash, The Jam, várias do Spoon e outras bandas. Sem contar o fim, com uma versão instrumental de “going missing” do Maximo Park. E eu disse que um dos momentos mais emocionantes do filme envolve Will Ferrel, um violão e uma canção punk?

Aliás, o filme não deixa de mostrar que o punk também traz lições construtivas, mas é preciso ver para entender...

No fim, uma pergunta do personagem de Dustin Hoffman ao de Will Ferrell resume Mais Estranho que a Ficção: “Sua vida é uma comédia ou uma tragédia?”.

Quem nunca se perguntou o mesmo, que desista de ir ao cinema.

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Mais Estranho que a Ficção (Stranger Than Fiction)
Direção: Marc Foster
Roteiro: Zach Helm

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Zach Helm fez sua estréia no cinema com o roteiro de Mais Estranho que a Ficção e atualmente trabalha em Mr. Magorium's Wonder Emporium, do qual é responsável pela direção e roteiro. Em seu novo filme, Helm trabalha novamente com Dustin Hoffman e com outro membro do elenco de Arrested Development: o protagonista da série, o ator Jason Bateman (que não renovou seu contrato na série e está partindo para o que parece ser uma interessante carreira cinematográfica. Ele também está em mais dois projetos interessantes: Fast Track, com Zach Braff, de Scrubs; e , Tonight, He comes, filme sobre um super-herói fracassado e alcoólatra).

Helm já foi tachado como "o novo Charlie Kaufman".

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Músicas da trilha sonora:

1. The Book I Write - Spoon
2. Going Missing - Maximo Park
3. Whole Wide World - Wreckless Eric
4. Flours - Britt Daniel/Brian Reitzell
5. The Way We Get By - Spoon
6. Mind Your Own Business - Delta 5
7. Bottles & Bones (Shade & Sympathy) - Califone
8. Writer's Block - Britt Daniel/Brian Reitzell
9. My Mathematical Mind - Spoon
10. La Petite Fille De La Mer - Vangelis
11. That's Entertainment - The Jam
12. Dubbing in the Back Seat - The Upsetters
13. Auditor - Britt Daniel/Brian Reitzell
14. Vittorio E - Spoon
15. In Church - M8 3

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Para quem gosta de: filmes do Spike Jonze e Michel Gondry / O Fabuloso Destino de Amélie Poulain / Huckabees – A Vida É Uma Comédia / Magnólia

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10.

Um comentário:

Ju Semedo disse...

vontade desenfreada de chorar ao ler sua resenha sobre o filme. Ficou ótima...

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eu me orgulho de você!!! :)